sexta-feira, 8 de maio de 2009

Uma lenda que deixou de ser viva


Quem conhece minimamente a Cidade de Tomar, e nunca ouviu falar da “Casa das Ratas”, ou da “Casa Matreno”? Ambas pertenciam ao Sr. José Matreno.
O Sr. Matreno deixou-nos antes de ontém, dia 6 de Maio.
Conheci-o ainda a trabalhar, ou na Casa das Ratas, ou na Casa Matreno. Um dia, fui com a minha mãe e o meu pai à Casa Matreno. O Sr. Matreno foi que nos serviu à mesa. A certa altura, a “Maria dos Alcatruzes” perguntou-lhe se ele se lembrava de seu pai – meu avô. Quando lhe disse o nome, de imediato ele respondeu: “Como me havia de esquecer dele?” E em seguida contou uma aventura que tiveram juntos: Um amigo do meu avô e do Sr. Matreno comprara um Citroën “arrastadeira”. Nesse tempo, davam um prémio ao primeiro que conseguisse virar um carro desses, o que era difícil, graças à grande estabilidade do automóvel. Acontece que quando o amigo comprou o carro, convidou o Sr. Matreno, o meu avô e outro amigo para irem experimentar dar uma volta no carro. O passeio foi à noite, depois do jantar. As estradas eram más e escuras. A viagem começou por ser boa, mas acabou mal: o dono da viatura galgou uma azinheira meia caída, e o carro virou de lado. O único ferido foi o meu avô, que partiu a clavícula e não sentia as pernas, até que um médico lhe deu um jeito nas costas e o meu avô voltou a sentir as pernas e a andar.
Passados quarenta e tal anos, o Sr. Matreno ainda se lembrava do acontecimento.
Há menos de um ano, já o Sr. Matreno estava muito mal, mas mostrei-lhe uma fotografia do meu avô, e ainda lhe consegui arrancar um olhar lúcido.
Há dias, fui a Tomar e soube que a Casa das Ratas e a Casa Matreno foram trespassadas, mas nem chegaram a fechar, nem mudaram de nome. Soube que o Sr. Matreno estava muito mal, pela sua mulher.


O Sr. Matreno deixou-nos, mas a lenda continua!

6 comentários:

Maria disse...

Meu Corvo:
Linda homenagem ao Senhor Matreno.
Tudo certo, mas eles não iam no mesmo carro. O Matreno ia atrás e foi quem primeiro ajudou o Avô. A árvore aho que não era azinheira, mas não sei o que seria.
Mas isto tudo não tem problema nenhum.
O post está muito bom, muito sentido, muito bonito, muito bem escrito. E o principal está cá: A lembrança de um homem bom, aquilo que sabes dele, a tua pena de o ver ir embora.
Quem sabe esteja agora na "Casa das Ratas" do céu, sevindo e bebendo uns copos da "melhor água- pé do mundo ao Avô e ao António Hugo, outro grande amigo dele.
Beijinhos por falares de gente da minha terra, Corvo. Acho que ainda te promovo a Pato Bravo.

Vasco disse...

Pois é, o tio António Hugo, que nos deixou, salvo erro, faz hoje 14 anos, chamava de champagne dos pobrezinhos à água pé da Casa das Ratas.
Falei de gente da terra que é a tua, mas que também considero um pouco minha.
Beijos.

Maria disse...

Meu Corvo:
Que pena não termos, no domingo, umas garrafitas da água-pé do Matreno.
Beijo
Mãe

Vasco disse...

Faz hoje uma semana que estive lá e falei com a mulher do Sr. Matreno, e bem me lembrei da água pé para amanhã, só que já não havia.
Beijo.

Laura disse...

Olá. Todas as recordações são lindas, e quando conhecemos os protagonistas, ainda sabem melhor. Citroen, o meu carro preferido, desde os mais antigos até aos de hoje, tenho um, dos velhos tempos em que a vida dava para ter um carrito novo, um C 5 que adoro e aquilo não é carro, nem digas a ninguém, mas, o meu C5 voa, voa rapaz, e eu nem o piso quase nada, leva-me a Coimbra em h e meia, e com mil cuidados,sempre a recomendar-lhe que vá devagar, mas ele deve ser como eu; surdo, é isso, e nem me ouve...mas sim,adoro o citroen, já tive um Zx Aura, alguém na brincadeira pintou antes do Aura um L em branco, ele era preto e ficou a Laura que sou eu!...
Voltando ao que escreveste, valentes os homens que já se foram, mas pelos menos, arriscaram, viveram... Um beijinho da laura, que, soluidária com a tua mãe, se lembrou da sopa de favas, a pior pratada de favas que alguma vez tive de engolir...vá que troquei o meu prato de sopa delas...por algo melhor..
Beijinho da laura.

Unknown disse...

CC

.. e não és a Claudia Cardinali...

Isto das recordações, (quase) todos as temos. Outra coisa, bem diferente, é trazê-las para o papel, como antes - no tempo em que elas ainda não eram... - se dizia. Agora, para a net, não se deve desperdiçar o dito cujo, ou se vai para o reciclado, ou se dá cabo de uma porrada de árvores.

Ora bem, Corvo, tu soubeste fazer vir à flor da pele as tuas recordações. O Sr. Matreno, se ainda por cá estivesse, agradecer-te-ia, tenho a certeza. Eu - agradeço-te.

Abs

PS - Ó Mariazinha, deixa-te de galinhices e não monopolizes o rapaz, ok? Vê lá se o Santo João o faz?... hihihihihi